Empreendedores

Bruno Silva I CEO do Grupo Bexeb

Cresceu num meio luxemburguês, numa época em que lhe fechavam as portas da escola, mas abriam-lhe as portas de casa. Foi assim que começou, a ajudar o pai nas entregas porta-a-porta. Fez um pouco de tudo na empresa antes de assumir a gerência, em 201

Por José Campinho 16 março, 2023
Foto Rui Oliveira

Apesar de nascer no Luxemburgo a infância não foi fácil…

Nasci em Differdange, numa altura em que a maioria dos estrangeiros eram os italianos que trabalhavam na Arbed. Depois do infantário mudamo-nos para Pétange e foi aí que cresci e fiz a escolaridade. Era um meio muito luxemburguês e na escola foi muito complicado. Em casa falava português, os meus amigos eram franceses e dessa forma acabava por ter pouco contacto com os luxemburgueses. Isso dificultou a minha integração.

 

Naquela altura ainda não havia classes de integração?

No meu tempo ainda não, só mais tarde, no final dos anos 80, é que começou a dar-se mais atenção aos alunos estrangeiros. A partir dessa altura, as crianças que chegavam de Portugal eram orientadas para um programa específico. Não é que contribuísse muito para a integração, mas pelo menos podiam aprender. No meu tempo não era assim, se não percebesses paciência. O professor tinha 20 alunos e se dois ou três ficassem para trás, não havia problema.

 

Não havia ajuda por parte dos pais?

Os meus pais também não tiveram uma vida fácil. A minha mãe trabalhava nas limpezas e o

meu pai na Arbed e depois como motorista de camiões, antes de abrir D’BEI’ERMANN (mais tarde Bexeb). O meu pai trabalhava muito e tinha pouco tempo para a família. Nas férias escolares aproveitava para viajar com ele no camião, foram momentos que ficaram gravados na minha memória. A dada altura, por motivos de saúde, foi obrigado a abandonar a profissão de motorista e surgiram-lhe duas opções: abrir um café ou um armazém de bebidas. Como não queria que os filhos crescessem num ambiente de café optou pelo armazém. Tinha 13 anos quando o meu pai abriu o negócio e à terça e à quinta-feira depois das aulas ia ajudá-lo.

 

Isso não contribuiu para afastá-lo ainda mais da escola?

De certa forma sim. Na altura já não me interessava muito pelos estudos e quando comecei a acompanhá-lo ainda menos motivado fiquei. Preferia ajudar no armazém, onde me sentia útil e valorizado, do que ir para a escola, onde me deixavam de lado. Um dia, já com 16 anos, o meu pai chamou-me e perguntou-me o que se estava a passar comigo na escola. No início fiquei bastante nervoso, mas no dia seguinte fui ter com ele e disse-lhe que queria abandonar a escola ir trabalhar com ele. Comecei nessa altura a trabalhar e a descontar para a segurança social e para as pensões. O meu pai sempre pensou muito no nosso futuro e fez questão que começasse desde logo a preparar a reforma.

 

Em que consistia o trabalho?

Comecei por ser ajudante de motorista. Na altura ainda se faziam entregas porta-a-porta aos particulares. Foi assim que comecei realmente a ter contacto e a conhecer os luxemburgueses. Eles convidavam-nos a entrar e às vezes até lhes abríamos as garrafas. Era um ambiente especial, entravas na vida das pessoas e isso dava-me prazer. Contavam-nos a sua vida, ainda hoje me lembro de muitas dessas histórias. Acabei por me integrar melhor e gostar mais da sociedade luxemburguesa no trabalho do que na escola.

Na escola era um incómodo, no trabalho era bem-vindo.

 

Como é que a carreira evoluiu na empresa?

Assim que tirei a carta, comecei a fazer eu as entregas. Em 2002 o meu pai anunciou-me que ia fazer sociedade com a Eurobica. Os nossos principais clientes eram os privados luxemburgueses e a Eurobica tinha o mercado português, que tinha crescido bastante com a explosão dos cafés portugueses nos anos noventa. A estratégia era juntar os dois mercados, mas avisei logo que achava a ideia arriscada.

 

Mas o projeto avançou…

Foi dessa sociedade que surgiu a Bexeb, vocacionada para o setor da Horesca. A empresa D’BEI’ERMANN manteve-se, mas ficou apenas com os clientes privados, que, entretanto, já só representavam uma pequena percentagem da clientela. Para nos dar alguma segurança, o meu pai perguntou-me se queria ocupar-me dela. Prometi-lhe que ia duplicar o negócio e num ano passamos de duas para cinco pessoas. Foi duro, tinha de carregar as caixas e fazer as entregas durante o dia e pegar no papel e na caneta para fazer a caixa à noite.

 

Quando se deu a integração na Bexeb?

Entretanto, o meu pai separou-se do sócio, mas manteve a Bexeb e convidou-me para o ajudar. Aceitei, mas com uma condição: não queria responsabilidades.

Tinha sido um ano muito duro e precisava de descansar. Mas não durou muito. Um dia chateei-me com o chefe de armazém e disse ao meu pai que tinha de escolher entre ele ou eu. Era o que o meu pai estava à espera e aos 23 anos tornei-me chefe de armazém.

Mais uma vez não foi fácil, tive de aprender a impor-me e a fazer-me respeitar. Lembro-me de uma sexta-feira, ao final do dia, estar a varrer o pátio enquanto os meus empregados olhavam para mim e bebiam cerveja. Não disse nada, mas na segunda-feira seguinte peguei numa cadeira e geri o armazém sentado. Nesse dia, em vez de colega fui chefe e as coisas a partir daí mudaram.

 

Quais foram as etapas até chegar à gerência?

A dada altura o meu pai convidou-me para ser vendedor. Entregou-me uma pasta com papeis e quando lhe pedi a lista de clientes ele perguntou-me ‘não conheces os clientes da Bexeb?’. Eu respondi-lhe, surpreendido, ‘claro que conheço!’ e, nessa altura, ele diz-me ‘então, são todos os outros’.

Andei a fazer prospeção de clientes na Horesca e após dois anos já era o melhor vendedor da empresa. À medida que fui ganhando experiência fui ficando com a carteira de outros vendedores que saíram e fui crescendo até chegar a chefe de vendas.

Em 2015 o meu pai começa a pensar na pensão e, eventualmente, em vender a empresa. Nessa altura tinha 35 anos e disse-lhe que gostava de dar continuidade ao negócio. Como eramos dois irmãos, decidimos que lhe comprava a empresa. É nessa altura que começa a minha história como gestor da Bexeb.

 

Já conhecias bem o negócio…

Faltava-me a área da gestão: a negociação com os fornecedores, as margens, a gestão dos recursos humanos. Em 2016 já era eu a gerir, mas com o meu pai a acompanhar-me e em 2017 torno-me oficialmente patrão da Bexeb. O meu objetivo era claro: duplicar o volume de negócios e em apenas três anos passamos de 8 milhões para 15 milhões de faturação.

 

De onde veio esse crescimento?

Aumentamos significativamente a nossa cota de mercado graças à aposta nos supermercados e ao facto de alguns dos nossos principais concorrentes terem encerrado a atividade. É nessa altura que a empresa Wine & Porto passa a fazer parte do nosso grupo com a ajuda do Paulo Veiga que já tinha uma boa carteira de clientes da época da Cave Matias. Outro fator importante de sucesso foi a aposta em marcas menos conhecidas, mas com grande potencial de crescimento. Foi o caso da marca alemã Cola Fritz, em 2016, que não só foi um enorme sucesso como nos abriu as portas a uma nova clientela. O mesmo aconteceu com a Ginga, o Licor 35 e outras marcas em que poucos acreditavam.

 

O posicionamento da Bexeb mudou?

A mudança de posicionamento acaba por ser o resultado da mudança de imagem de Portugal cá fora. A explosão do turismo trouxe-nos uma exposição muito grande junto de mercados que não conheciam ou que não se interessavam pelos nossos produtos. No Luxemburgo, vendia-se mais vinho italiano e espanhol do que português, isso mudou. Hoje em dia, o cliente que vai ao supermercado comprar o nosso vinho já não é maioritariamente português. Hoje posicionamo-nos num mercado global. Isso muda tudo.

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