Outubro de 2018. A aventura começou a poucas horas de ver o nosso Legendary Tigerman e a 24 horas de uma roadtrip em Itália. Uma fratura do pé direito à porta de casa alterou os planos. Ida para o hospital, diagnóstico feito, proibida de viajar - a não ser que fosse junto à piscina num resort como explicou ironicamente o ortopedista -, descanso de cinco dias e fisioterapia.
Era mais romântico que a epifânia se tivesse dado na Costa Almafitana, mas deu-se naquele gabinete de paredes brancas.
Nessa altura tive percepção das limitações físicas do meu corpo de 105 kgs, em que 49% era massa gorda. O cansaço extremo em exercícios básicos de fisioterapia fez-me perceber que era urgente diminuir o risco de sofrer um acidente cardiovascular. O meu coração iria agradecer fazer uma caminhada sem julgar-se numa maratona. E assim acabei por inscrever-me nas aulas de spinning e entrar num ginásio pela primeira vez em 20 anos.
Como a minha obesidade, tal como todas as outras, se devia a comer demasiado, era essencial aprender a comer em quantidades adequadas e só um nutricionista me podia ajudar. Que fique claro que não tenho discurso de body shaming, algo que condeno. Todavia, não posso corroborar com o body positivy ao ver corpos xxxl apelidados de saudáveis. É perigoso “glamourizar” a obesidade quando esta aumenta o risco de acidentes cardiovasculares e é um problema de saúde pública.
Plano nutricional de acordo com os meus gostos e horários e cinco aulas de spinning por semana atiraram-me para os índices considerados saudáveis em aproximadamente um ano. Dizem que fui motivada, mas tenho para mim que fui dedicada. Se calhar até demais e hoje reveria algumas estratégias. Todas as aulas de spinning eram como mergulhar numa piscina, mas curiosamente gostava da sensação.
A história estava apenas a começar
Trabalho feito e resultados à vista, percebi que não queria ficar por ali. A história estava apenas a começar. No ginásio conheci uma realidade paralela ao mundo que conhecia e optei por um personal trainer. Não por mania ou moda, por necessidade mesmo. Gostava de ver os treinos dos outros e queria fazer igual. Aprendi exercícios com peso corporal como flexões até ao handstanding. Aprendi a fazer burpees em wods que me faziam apreciar durante minutos o tecto do ginásio e aprendi, a maior paixão : a sensação tocar na barra olímpica, de praticar weighlifting e powerlifting.
Querer melhorar fez-me ser consistente com as minhas escolhas até com a procura de um novo treinador e abandonar todos os outros métodos. Quatro anos depois mantêm-se os cinco treinos semanais alguns com 12 toneladas de volume e dos quais dois são upper body. E, sim, tenho braços de mulher e as últimas análises não acusam nenhuma mudança genética.
Se gosto de comprar a roupa que quero sem olhar a números? Gosto, embora os meus números preferidos estejam na folha de treinos. É o volume de carga que mais me fascina e que faz de mim, como dizem, uma rapariga forte. Aqui não estou de acordo. Sei que treinei força, apliquei técnicas, segui as recomendações e, por último e não menos importante, apaixonei-me pela modalidade. A minha alimentação é adaptada ao treino que vou ter e à semana de mesociclo. Primeiras semanas tenho mais liberdade, últimas semanas sou severa com macros e horários. Nos deloads permito-me uma corrida porque tenho muitos músculos mas apenas um coração.
Não quero cair no discurso patético do “se eu consegui, tu também consegues” ou “pergunta-me como”. Nem caminho tinha traçado, foi descoberta. De vida sedentária e de pessoa obesa, hoje sou weightlifter com calos nas mãos. As dores também são algumas e a vontade de treinar nem sempre é a mesma. Depois passa tudo. O magnésio nas mãos, as straps nos pulsos e o frio da barra mostra o que ali fui fazer. É ali e naquele momento em que a adrenalina dispara, socorro-me do bracing e transformo-me em alguém que nunca pensei ser e na pessoa que quer atingir os 150 kgs no Deadlift, 120 no Squat e 70 no Bench.