Na opinião do investigador, a conversão dos automóveis existentes em elétricos merece, por isso, ser estudada: “Não ter de extrair novas matérias-primas na produção de um veículo já é uma grande vitória”, sublinha.
Uma opinião que está longe de ser consensual. António Ferramacho, engenheiro mecânico e especialista em mobilidade sustentável da ACL no Luxemburgo, mostra-se menos otimista relativamente ao potencial desta estratégia: “a ideia é gira, mas duvido que se torne uma referência, a não ser que as baterias fiquem tão baratas que compense. Pode pensar-se nisso para carros de coleção, mas por enquanto é uma transformação muito cara”, sublinha.
Homologação
Embora as opiniões se dividam, o que é facto é que começam a surgir em vários países empresas com bastante sucesso neste nicho. Países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a França ou a Alemanha, com tradições na indústria automóvel, foram precursores na adoção destas transformações, mas o próprio Luxemburgo já contempla a homologação deste tipo de veículos.
No entanto, não é qualquer oficina que está habilitada a fazê-lo. Para homologar um automóvel convertido em elétrico é necessário “passar certos testes para assegurar que o trabalho foi efetuado de forma profissional. Aqui não é feito, mas o TUV na Alemanha ou na Holanda é aceite no Luxemburgo”, explica António Ferramacho.
Uma das condições para a homologação de automóveis elétricos é manter as mesmas características do veículo original, incluindo a velocidade. “Caso contrário é outro carro e tem de ser homologado como tal”, explica António Ferramacho, citando como exemplo Resto Mode, que consiste em “pegar num carro antigo e modificá-lo tecnicamente com as tecnologias atuais. Há empresas como a Singer, na Califórnia, que transforma Porsches antigos em elétricos, mas estamos a falar de carros completamente transformados em que apenas se mantém o look antigo”.
Negócio em expansão
Embora possa parecer uma novidade, a conversão de automóveis antigos ou de coleção em veículos elétricos já tem mais de uma década. A Green Shed Conversions, na Flórida, foi fundada em 2006, e a OZ Motors começou a dedicar-se a esta atividade há 11 anos no Japão. Atualmente, a grande diferença está no interesse e no capital que está a conseguir captar e que faltavam para transformar este nicho num negócio sedutor para um publico mais vasto.
A Lunaz (que conta com investidores como a família Barclays ou David Beckham) converte atualmente 120 carros de coleção por ano, com valores quase sempre superiores a 250 mil euros. Estamos obviamente a falar de veículos que, para além de serem de coleção, são de luxo.
No entanto, também já há quem aposte em transformar modelos mais modestos a preços mais acessíveis. É o caso da London Electric Cars, criada em 2017, que optou por posicionar-se num mercado mais vasto. Aqui já se fazem projetos a 30 mil euros e a tendência é para que os preços continuem a baixar.
Elite
Apesar dos exemplos de sucesso, este é um negócio que, pelo menos para já, não é para qualquer carteira. “Estamos a falar de um kit com uma bateria, um motor elétrico, um carregador, a eletrónica, tudo isto para ter uma autonomia correta custa pelo menos 15 mil euros”, alerta António Ferramacho.
A este valor acresce ainda o trabalho da oficina. “O trabalho de engenharia é complicado, há um estudo a fazer, incluindo a distribuição do peso devido ao posicionamento da bateria. Num carro elétrico o sítio mais lógico para a instalação do kit é no centro, tanto em termos de peso como em caso de choque, mas esse tipo de transformações não são simples de fazer e são dispendiosas”.
Puristas
Mesmo que venha a tornar-se financeiramente viável, há quem não veja estas alterações com bons olhos. Para os mais puristas, as conversões para veículos elétricos destroem a alma de um carro.
A própria Federação dos Clubes de Veículos Históricos Britânicos já se manifestou publicamente contra esta tendência. Uma posição que encontrou eco junto de vários grupos de amantes de veículos de coleção que defendem a aplicação de regras diferenciadas para este tipo de veículos, pelo facto de representarem apenas 0,2% dos km efetuados por ano no Reino Unido, tendo por isso muito pouco impacto nas emissões. “Sempre haverá reações por parte de um segmento de puristas que considera que estas modificações prejudicam o valor histórico de um veículo, o que eu de certa forma entendo”, conclui Dominic Snell.
Alternativas aos motores elétricos
Na opinião de António Ferramacho, os veículos elétricos representam um passo importante na redução das emissões de CO2, mas este é apenas um dos vários caminhos que nos vão conduzir a uma mobilidade sustentável.
A ausência de emissões no consumo faz com que os veículos elétricos (VEs) sejam menos poluentes e mais económicos do que os carros a gasolina ou diesel - é este o principal argumento que está na base da estratégia de transição dos motores a combustão para veículos elétricos, mas que peca por simplificar em demasia um problema mais complexo. “A energia necessária para produzir uma bateria elétrica consome muito CO2, sobretudo as mais pesadas, com mais autonomia. Por exemplo, a produção de uma bateria para o Testa S100 produz emissões equivalentes às de um motor a gasolina durante 150.000km”, explica António Ferramacho. Ou seja, só a partir deste momento é que o veículo elétrico em questão é mais ecológico do que o a gasolina. Um fator importante a ter em conta, sobretudo num país onde grande parte dos automobilistas troca de carro antes de atingir essa quilometragem.
Mas a comparação dos danos colaterais para o ambiente não se limita ao tamanho das baterias. Se todo o parque automóvel mundial fosse substituído por automóveis elétricos, as fontes de energia renováveis estariam muito longe de poder fornecer a energia necessária para a sua produção. “É preciso também ter em conta onde é que as baterias são construídas. Em França, por exemplo, 70% da eletricidade vem das centrais nucleares. Mas na China, onde grande parte das baterias são construídas, a energia ainda vem em grande parte do carvão. Tudo isto tem impacto”, alerta o especialista português em mobilidade.
Questão política
Mas se a massificação de veículos elétricos é, hoje em dia, uma utopia, para quê os incentivos para acelerar esta transição?
Na opinião de António Ferramacho, “os carros elétricos vieram para ficar, mas não vão ser a única solução”. Uma questão que acaba por ser política. “Atualmente, há uma espécie de guerra económica entre as diversas tecnologias existentes. A Europa começou há 15 anos a investir no setor da energia limpa e este é um mercado que mexe com muito dinheiro”.
Uma análise que não põe em causa o contributo dos veículos elétricos para uma mobilidade mais ecológica e mais sustentável, pelo contrário. “Os carros elétricos são indicados para certas situações, mas para outras existem soluções mais adequadas. Num carro que esteja em movimento permanente, por exemplo, faz mais sentido o e-fuel ou o hidrogénio”, sublinha.
Tecnologias que, apesar de menos divulgadas, já atingiram uma certa maturidade. “No futuro vamos ter uma oferta muito diversificada. Os carros elétricos vão ser a maioria, mas o hidrogénio, por exemplo, tem um potencial enorme. O desafio, hoje, é produzir o hidrogénio de forma económica e ecológica, mas é uma questão de tempo”, garante.