Sara Macedo fala de uma forma pausada, calma, mas com muita convicção. É filha de um português de Fiolhoso, Murça e de uma brasileira do Rio de Janeiro. A executiva nasceu no Luxemburgo onde fez todo o seu percurso escolar, até à universidade. Depois licenciou-se em Economia na Universidade de Estrasburgo, em França, e concluiu o mestrado em Contabilidade e Auditoria na Universidade do Luxemburgo, onde deu aulas como professora convidada de 2020 a 2022. Enquanto estudava sempre trabalhou na empresa imobiliária da família e obteve a qualificação de agente imobiliária pela Chambre de Commerce.
“Desde jovem, no que diz respeito ao percurso profissional, sempre gostei muito do empreendedorismo”, revela em entrevista ao Contacto. “Comecei por trabalhar na empresa da minha família, e com isso descobri o mercado imobiliário do Luxemburgo. Também pude ver como é o quotidiano dos empreendedores portugueses no Luxemburgo”, acrescenta.
Quando terminou o mestrado, em 2014, foi trabalhar para uma das mais importantes consultoras mundiais, a Ernst & Young (EY). “Foi assim que comecei o meu percurso na auditoria, enquanto fazia a formação de revisora de empresas no Reino Unido, pela Association of Chartered certified Accountants (ACCA). Também recebi o diploma de Réviseur d’entreprises da Comission e Surveillance du Secteur Financier (CSSF)”, recorda.
“Na auditoria, a minha missão era efetuar o controlo financeiro de empresas luxemburguesas e multinacionais, públicas e privadas, organizações sem fins lucrativos e estruturas de financiamento europeu. Nesses oito anos de auditoria, especializei-me no setor aeronáutico e da logística, tendo integrado grupos de trabalho do setor e trabalhado com empresas como a Luxair. Também tive a oportunidade de trabalhar com outras empresas de leasing de aviões e da logística”, recorda.
Mas para a gestora “sempre foi importante consagrar parte do meu tempo a novos projetos”. “Nesses oito anos, também me dediquei a projetos digitais e projetos relacionados com recursos humanos, coaching e formações”. Transmitir o que sabe para ajudar as gerações mais novas é outra das suas missões. Por essa razão, as aulas que deu na Universidade do Luxemburgo “sempre foram muito importantes para ajudar a preparar os jovens para o mundo profissional”. Foi com esse objetivo que propôs à Universidade do Luxemburgo criar um curso de Advanced Analytics, “para poder dar as ferramentas informáticas aos estudantes para poderem progredirem mais depressa quando tiverem no mundo profissional, que hoje está fortemente digitalizado”, afirma Sara Macedo.
Já na área dos recursos humanos da EY integrou “grupos de apoio à liderança, recrutamento e coaching”. Nesse âmbito pode frequentar formações externas em liderança que “me ajudaram no percurso de desenvolvimento profissional”.
Desde outubro que abraçou esta nova responsabilidade de CFO da Luxair, integrando o Comité da Direção e assegurando a direção financeira da empresa.
Garante que nesta nova função “os desafios são muitos”. O primeiro objetivo prioritário “é assegurar a transição climática”. “No mundo atual, com a consciencialização ambiental, os consumidores e investidores consideram as empresas socialmente responsáveis. Também os reguladores estão sempre a exigir mais descarbonização. O que significa que até 2050 temos de ter zero emissões de CO2 o que para uma companhia aérea é um grande desafio”, vinca.
O segundo objetivo de Sara Macedo passa por “conciliar o financiamento sustentável com a renovação da frota de aviões que terá que ser financiada para desenvolver a atividade”. Depois, o terceiro desafio será de “manter a Luxair como um ator importante, à escala luxemburguesa, mas também europeia. Em termos europeus é importante manter as ligações, para que o Luxemburgo fique conectado. Com os mais de 90 destinos que temos, temos de nos manter competitivos com os competidores da Grande Região”, sublinha. A sua quarta prioridade é “manter e investir nas infraestruturas do Cargo Center, que apesar de ser um negócio difícil e com baixas margens, é elo essencial na cadeia de abastecimento da economia luxemburguesa”.
Por último, mas não menos importante, “tenho o desafio de contribuir para a progressão da transição digital da Luxair, um desafio comum a muitas outras empresas”.
Lusodescendentes com carreiras de sucesso
Sara Macedo considera que não é a única portuguesa a brilhar na gestão empresarial do Luxemburgo. “Conheço muitos lusófonos e lusodescendentes que fizeram excelentes carreiras profissionais nas empresas, assim como nos ministérios e nas instituições públicas”. Sara Macedo sublinha que, “inclusive na Luxair, há vários lusodescendentes com cargos importantes”.
Há também muitos executivos lusófonos no Luxemburgo que “não nasceram no país e vieram para o Luxemburgo mais tarde, se adaptaram ao multilinguismo e estão a fazer excelentes carreiras profissionais”, sublinha. Um ambiente multicultural faz parte da realidade da transportadora aérea luxemburguesa. “Na Luxair, por exemplo, temos cerca de 50 nacionalidades diferentes e mais de 20% são portugueses. Também estão presentes transfronteiriços, nomeadamente franceses, belgas e alemães. Existe uma grande diversidade de nacionalidades na Luxair e as línguas mais utilizadas, para garantir que todos se entendem, são o francês e o inglês”, acrescenta, descartando que alguma vez tenha sido discriminada na sua carreira por ser portuguesa.
“Mesmo no cargo que ocupava antes na EY, como luxemburguesa e portuguesa, fazia parte de uma minoria, mas sempre tive as minhas oportunidades”, frisou.
Relativamente à baixa percentagem de mulheres a exercer cargos de gestão prefere não comentar, limitando-se à sua experiência pessoal e sublinhando que “de uma forma geral, a diversidade é importante”. “O nosso atual diretor conseguiu trazer uma diversidade de mulheres inigualável na Luxair, cada uma com experiências e competências diferentes” dando como exemplos não só as finanças, mas também as chefes do departamento jurídico e auditoria. Sara Macedo, recorda ainda que há muitas mulheres em posições de liderança, citando como exemplo a ministra das Finanças e muitas outras na área financeira e no setor aeronáutico. No entanto, a jovem CFO da Luxair reconhece que “em certas situações, as mulheres podiam demonstrar mais autoconfiança para poderem aproveitar as oportunidades”. Para que isso seja possível, “o coaching é importante, assim como propor soluções para garantir o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. O que vejo é que a participação ativa em sessões de networking é um fator importante para as mulheres evoluírem no mundo profissional e estarem conectadas com os outros atores da economia”. Tudo fatores que “podem dar mais visibilidade”.
Mas fica o conselho de quem tem uma carreira brilhante: “pessoalmente não tendo a perder tempo a vitimizar-me seja pela minha origem, pelo fato de ser mulher, ou de ser jovem. Penso que, de uma forma geral, quem se resigna a limitações, perde um pouco o objetivo do que quer realizar. Prefiro concentrar-me no objetivo que quero realizar para ter sucesso. Começar a limitar-me ao que possivelmente poderia ser obstáculo torna tudo mais difícil”. Para esta executiva, “o importante é o empenho coletivo e ter uma diversidade de competências na equipa”. Depois “o que mais importa é não dar como adquirido o sucesso. Há que demonstrar pelos resultados repetidos e tomar decisões responsáveis e sustentáveis sempre”, conclui Sara Macedo.