“Não havia ninguém a quem recusasse emprego. Quando lhe iam pedir, ninguém ficava sem emprego. Às vezes, era a família inteira”, recorda Capoulas Santos, deputado, ex-dirigente socialista e antigo ministro da Agricultura.
Outros amigos contam que “quando tinha trabalhadores a mais, criava um novo negócio para os empregar, em vez de os mandar embora”. Como vivia junto à fábrica, no Monte das Argamassas, em Campo Maior, todos os dias, se levantava cedo e ia percorrer a produção, cumprimentando cada trabalhador, a quem se dirigia pelo nome. “Era de uma dedicação impressionante com as pessoas”, diz quem o conheceu de perto.
Inventor de negócios
“O que mais me impressionava” - refere o deputado alentejano – “era que criava emprego e continuava competitivo, mesmo perante um concorrente mundial, como a Nestlé. Fazia uma gestão contra todos os cânones e triunfava”. Onde estaria o segredo? “Penso que assim conseguia ter as pessoas motivadas.”
Mas a sua atenção não era apenas com os trabalhadores, Capoulas Santos recorda-se de Rui Nabeiro lhe ter contado que organizava umas festas anuais, onde acolhia os clientes do sul, os do norte e os do centro, que em fins de semana sucessivos esgotavam a hotelaria na região.
E, nas viagens, fazia questão de parar em todos os cafés “Delta”, numa verdadeira estratégia que hoje se diria de marketing, para conhecer os clientes, a quem oferecia os toldos de propaganda - produzidos numa empresa que criou para o efeito.
Tomava o café, cujo sabor ele próprio ajudava a definir, fazendo questão de provar os blends que iam sendo criados no laboratório.
Mas não se limitou à distribuição do café em Portugal e Espanha. Os países de língua portuguesa foram destinos preferenciais, mesmo durante o período da Guerra Colonial, onde ainda hoje é possível ser surpreendido por um café Delta nos lugares mais inesperados de Angola, Moçambique...
A par dos PALOP, seguiu os passos dos emigrantes e assim ajudou a criar o Mercado da Saudade, que outros empresários seguiram depois.
O caminho empresarial foi crescendo e hoje a sucessão está assegurada, com o neto Rui Miguel Nabeiro na presidência executiva do grupo, agora uma estrutura multifacetada (ver texto mais à frente).
Causa pública
“Era muito ativo, muito atento, e muito feliz por participar na causa pública. Era intuitivo - ele só tinha a 4.ª classe”, assinala, ainda o antigo ministro, que o conheceu quando Rui Nabeiro foi eleito presidente da Câmara Municipal de Campo Maior pelo Partido Socialista, em 1977, tendo-se mantido no cargo até 1986.
Na terra local, a ação do empresário não se limitou à vertente económica. São conhecidos os seus gestos de beneficência, com destaque para a criação do Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades extraescolares das crianças.
O retorno pela sua dedicação à promoção do desenvolvimento e bem-estar da sociedade começou a chegar sob diversas formas e em várias áreas.
Reconhecimento em vida
Há cerca de 12 anos, teve a rara oportunidade de ficar a conhecer, ainda em vida, a estátua erguida em sua homenagem em Campo Maior e com ela conviver ao longo destes anos. Mas as provas de reconhecimento do seu legado acabaram por multiplicar-se a nível nacional e internacional.
Por cá, Mário Soares, enquanto Presidente da República, atribuiu-lhe, em 1996, o grau de Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial - Classe Industrial. Mais tarde, em 2006, foi novamente distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
Em Espanha, foi honrado com a insígnia da Comenda da Ordem de Isabel a Católica, em 2009, tendo no ano seguinte sido nomeado cônsul honorário de Espanha, com a jurisdição de Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja.
Doutorado com a quarta classe
As universidades também não ficaram alheias à sua obra. Recebeu dois Doutoramentos Honoris causa, o primeiro, em 2012, em Ciência Política, atribuído pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; e o segundo, no ano passado, pela Universidade de Coimbra, sob proposta da Faculdade de Economia, pelo seu "indiscutível mérito profissional e qualidades humanas que constituem uma referência inspiradora para toda a sociedade".
A Universidade de Évora criou, em 2009, a Cátedra Rui Nabeiro, destinada à promoção da Investigação, do Ensino e da Divulgação Científica na área da Biodiversidade.
Houve, igualmente, autarquias que o distinguiram. Foi o caso de Coimbra, onde recebeu a Medalha da Cidade; de Lisboa, com a Medalha de Honra da Cidade; e Vila Nova de Gaia, onde lhe atribuíram a Chave da Cidade.
Também o Exército o reconheceu com a Medalha de D. Afonso Henriques - Mérito do Exército.
No ano passado, o estudo anual RepScore, da Consultora OnStrategy , considerou-o “o líder mais relevante e com melhor reputação de Portugal”.
Riccardo Navone, diretor geral Delta Cafés de Luxemburgo
“Tive a sorte de conhecer o Comendador Nabeiro em 2018, em Campo Maior, e desde logo fiquei muito bem impressionado. Depois tive várias oportunidades de encontrá-lo e de falar com ele e a conversa nunca era banal. Era um empreendedor extraordinário, mas sobretudo um homem capaz de sentir as pessoas e criar uma ligação emocional com elas.
A sua visão “social” da empresa era um conceito muito moderno e mais importante do que nunca. Num mundo que muda tão rapidamente e de forma tão imprevisível é muito importante que as pessoas possam encontrar algum conforto e segurança no mundo do trabalho.
Confio e espero que os valores que inspiraram a obra do Comendador Nabeiro possam continuar a viver na sua empresa, a Delta cafés, e também em outras que em eles se vão inspirar.
Será o nosso compromisso futuro de dar continuação ao trabalho por ele iniciado, como ele costumava dizer ‘quem não fizer hoje, amanhã é tarde’.”