Líderes

“Se não houver gás suficiente alimentamos os privados e desligamos as empresas”

A situação é mais crítica do que se esperava e não se vislumbram outras alternativas no imediato para além de reduzir o consumo em pelo menos 15%. Caso essa meta não seja atingida, os consumidores arriscam-se a pagar muito caro para se aquecerem no p

02 outubro, 2022

Existe o risco de rutura de abastecimento de gás este inverno no Luxemburgo?

O Luxemburgo tem um mercado de gás comum com a Bélgica que é abastecida pela Noruega, através de um gasoduto. Na costa belga também há um grande terminal para receber os barcos que transportam gás natural liquefeito. Desta forma, tanto a Bélgica como o Luxemburgo estão menos expostos do que países como a Alemanha ou Portugal numa Europa ameaçada pela guerra na Ucrânia e pelos cortes de gás impostos por Putin.

No entanto, é preciso compreender que a Rússia assegura 40% do gás que é consumido na Europa e que ameaça acabar com esse abastecimento. Temos mesmo de tomar medidas.

E quais são essas medidas?

Nos últimos seis meses, a nível europeu foram tomadas três decisões: trabalhar em conjunto para trazer de barco mais gás liquefeito dos Estados Unidos e do Qatar; encher ao máximo o stock de gás na Europa; e reduzir, no mínimo, em 15% o nosso consumo de gás.

Cada país agora tem de elaborar um plano com três cenários: o primeiro passa por reduzir em 15% o consumo de forma voluntária, que é a fase em que encontramos atualmente; o segundo, em caso de risco de abastecimento, é passar a uma fase obrigatória de redução do consumo; e o terceiro cenário, em caso de se confirmar a falta de gás, é termos de desligar alguns clientes. Nesse caso, continuamos a alimentar os privados e desligamos as empresas.

Essa poupança é realista?

O nosso plano prevê um esforço coletivo: o Estado e as Comunas vão adotar medidas nos seus edifícios e as empresas vão rever os seus processos industriais. Os cidadãos também devem fazer um esforço que passa por baixar a temperatura nas suas casas em 1c°, que equivale a uma redução de 6% da energia gasta. É um esforço coletivo e estamos bem preparados: o Estado e as Comunas estabeleceram uma temperatura de 20 graus nas suas instalações, e será reduzido o consumo na iluminação pública. Uma boa parte da redução do consumo de gás virá das empresas. Mas o esforço do Estado, das Comunas e das empresas não será suficiente. É necessário também que os cidadãos façam um esforço. Não só devido ao problema da falta de gás, mas também devido aos preços que são muito elevados. Cada esforço realizado em casa é uma forma de reduzir a fatura da energia.

Em outubro, a eletricidade deverá aumentar 35% e o gás 80%. E depois como vai ser?

Em geral os consumidores pagam uma conta fixa e os operadores vão tentar manter esse montante. Neste momento se o Luxemburgo reduzir o seu consumo do gás em 15%, os distribuidores não serão obrigados a ir novamente ao mercado comprar a um preço muito mais elevado. A forma como os preços vão evoluir nos próximos meses vai depender da nossa capacidade em reduzir o consumo.

Se o consumo não descer haverá novos aumentos?

Se o revendedor de gás no Luxemburgo tiver que ir ao mercado comprar haverá um impacto imediato. Nesta altura já se comprou o gás para o próximo ano, mas se o Luxemburgo consumir mais do que aquilo que tem serão obrigados a regressar ao mercado e a comprar a um preço mais elevado. A redução de 15% do consumo de gás vai permitir diminuir o valor da fatura, mas também vai permitir aos distribuidores não terem de comprar quantidades suplementares de gás num mercado que está cada vez mais caro.

No fundo, a situação é a seguinte: se baixarmos o consumo em 15% teremos uma fatura estável, se não conseguirmos baixar haverá um novo aumento em breve.

E que apoios estão previstos para fazer face aos aumentos que já foram anunciados?

No ano passado, durante a reunião tripartida, anunciámos uma série de medidas: o Governo paga uma parte dos custos das casas aquecidas a gás, através de um cheque de 150 euros. No caso dos combustíveis reduzimos o preço em 7,5 cêntimos por litro e na eletricidade também fizemos com que o preço da eletricidade se mantivesse estável durante 2022. Para além disso aumentamos o subsídio de vida cara e aumentamos o número de pessoas elegíveis ao cheque-energia.

O que posso dizer, enquanto ministro da Energia e em nome de todos os colegas do Governo, é que estamos conscientes da gravidade da situação e que estamos prontos a ajudar as famílias e as indústrias do país.

Como funciona esse apoio de 150 euros?

Quando pago o gás, pago também a infraestrutura que o transporta até minha casa. Essa infraestrutura representa um terço do custo. O governo decidiu que em 2022 vai pagar completamente essa parte da fatura. Essa ajuda num apartamento representa 250 euros e numa casa equivale a cerca de 150 euros. Um valor que é deduzido automaticamente no valor da fatura.

Existe uma percentagem elevada de famílias em precariedade energética. O que se pode fazer para as ajudar?

Estamos conscientes que as famílias com menores rendimentos estão numa situação difícil, mas infelizmente apenas um terço das pessoas que têm direito ao subsídio de vida cara o recebem. Há muitas famílias que são elegíveis e que não compreenderam que podem receber 400 euros ou 150 euros através do subsídio para a vida cara. Também tornamos o processo mais simples em termos administrativos. Basta ir a www.guichet.lu e preencher um formulário. Em breve os textos estarão também em português. Estamos desesperados porque aumentámos os apoios e as pessoas não os utilizam. Talvez seja um problema de falta de informação ou de orgulho, de acharem que não precisam de ajuda…

 

Todas as ajudas serão feitas através de subsídios?

Não nos podemos esquecer que o instrumento mais importante para garantir o poder de compra é a indexação dos salários. Já tivemos duas tranches de indexações desde outubro (2021) e a de abril de 2023 irá compensar as famílias com menores rendimentos.

Existem três pilares principais: a indexação automática dos salários, as ajudas diretas ao gás, eletricidade e gasóleo doméstico e ainda as ajudas destinadas às famílias com menores rendimentos através do subsídio de vida cara. Temos uma quarta medida que prevê que as famílias mais desfavorecidas que não consigam pagar o gás e a eletricidade possam dirigir-se à sua Comuna de forma a evitar um corte do abastecimento.

A UCL apelou ao Governo para regulamentar o preço da energia. É uma possibilidade?

Estabelecer um plafond dos preços é muito difícil em termos administrativos e arriscamos que os revendedores de gás e eletricidade entrem em falência.

As empresas estão inquietas porque vêm a massa salarial aumentar, as matérias primas encarecer e agora terem de pagar muito mais pela energia. Muitos empresários dizem que não conseguirão suportar todos estes aumentos.

Juntamente com os dois ministros competentes, Franz Fayot para a economia e Lex Delles para as empresas, decidimos avançar com duas medidas muito fortes: Colocar à disposição das empresas um fundo de 500 milhões de euros. Os empreendedores que tenham problemas de liquidez devido ao aumento dos preços da energia já podem recorrer a esse instrumento.

Outro instrumento muito importante para as empresas que demonstrem que tem um défice comercial devido ao aumento dos preços da energia terá direito a uma subvenção. Estamos a discutir no Governo se podemos aumentar o valor destes apoios e rever certos critérios de elegibilidade, porque o próximo ano será ainda mais difícil.

Qual é a solução para acabar com a dependência energética em relação à Rússia?

A primeira solução é baixar o consumo de energia. Por exemplo, os novos edifícios construídos no Luxemburgo são obrigados a construir de forma a garantir maior eficiência energética. É necessário acelerar o desenvolvimento das energias renováveis, seja solar ou eólica. Hoje em dia ter um painel solar no telhado e transformar essa energia em eletricidade é rentável. Um dos meios de reduzir a fatura de energia nos próximos anos é colocar painéis solares nos edifícios.

Há apoios do Estado para os instalar?

Aumentámos esses apoios que podem ser consultados em clima bónus. Para incentivar esse autoconsumo, a subvenção utilizada para os painéis solares agora vai passar a ser utilizada também para as baterias.

Tal como já acontece nas habitações, as empresas também vão ser contempladas. O empreendedor receberá um apoio no investimento em painéis solares, que diminuirá o preço do consumo da energia elétrica.

Quanto tempo vai durar esta dependência?

A chantagem de Putin pode durar este inverno e o próximo. Depois acabou. Em 2024 não seremos mais dependentes do gás da Rússia. Temos de apostar nas energias renováveis e trazer gás de outras partes do mundo. Para isso a Europa criou uma central de compras para poder agir coletivamente e conseguir melhores preços no mercado.

A Europa não devia ter pensado mais cedo nas consequências energéticas das sanções que impôs à Rússia?

O grande erro da Europa foi em 2014, quando Putin invadiu a Crimeia. A Europa impôs embargos a certos produtos, mas continuou a comprar gás russo. Sobretudo a Alemanha foi demasiado inocente. Quando estamos dependentes a 40%, não conseguimos mudar as coisas em seis meses. Devíamos ter tomado as decisões corretas em 2014. Nessa altura estava no Parlamento Europeu e bati-me contra a construção do segundo pipeline, Nord Stream 2. Alertei que não era possível ter Putin a violar as leis internacionais, a invadir um país independente, e continuarmos a aumentar a nossa dependência energética em relação a esse país. Mas, na altura, a Alemanha não deu ouvidos e não retirou esse instrumento de chantagem a Putin.

Fala-se de um possível retorno ao carvão para fazer face, no imediato, à penúria do gás. Qual é a sua posição relativamente a esta possibilidade?

Na reunião dos ministros de Energia dos 27, todos concordaram que agora é preciso acelerar a aposta nas energias renováveis, para estarmos menos dependentes da chantagem de Putin e de outros autocratas e para combatermos de forma mais eficaz as energias fósseis que estão na origem das alterações climáticas.

Nesta crise, há certas unidades de carvão que podem ser reativadas durante seis meses. Se for necessário fazê-lo não teremos escolha. Uma coisa é certa, a Europa vai acelerar esta política de erradicação das energias fósseis e acabar com a atual chantagem.

A energia nuclear volta a ser hipótese?

Construir uma nova central nuclear que durará 15 a 20 anos e que é quatro vezes mais cara do que a energia solar ou eólica… ? Por essa razão poucos governos apostam na energia nuclear, porque não é eficaz e é muito cara.

E quanto às centrais nucleares existentes, o problema atualmente é que, por exemplo, em França, dos cerca de 56 reatores existentes, apenas 27 estão a funcionar. Os reatores estão cada vez mais velhos e têm problemas técnicos graves de corrosão. A energia nuclear não é muito fiável e o exemplo francês demonstra-o.

Quando é que vai ser possível saber como vai ser o inverno?

De forma a clarificar a situação da eletricidade para este inverno, os ministros da Energia da Alemanha, da França, do Benelux e da Suíça vão-se reunir com os distribuidores europeus que fazem as estimativas. Em função desta troca de informações iremos ver se haverá ou não uma penúria de eletricidade e de gás neste inverno e se será necessário tomar medidas suplementares.

Há consumidores que face à diferença nos aumentos dos preços, dizem que vão desligar o aquecimento a gás e substituir por aquecedores elétricos…

É muito má ideia. Primeiro porque o preço da eletricidade também aumentou e segundo porque tem um rendimento muito mau e irá fazer disparar o consumo de gás, que alimenta as centrais elétricas.

O reator do ITER poderá ser a fonte de energia do futuro?

Se for esse o futuro não teremos eletricidade antes de 2080. A eletricidade comercial do reator de fusão só estará disponível em 2080, para os otimistas, e uma unidade custa mais de 20 mil milhões de euros. A eletricidade de amanhã é a solar e a eólica, tanto na terra como no mar. Portugal tem vários projetos eólicos flutuantes na sua costa. É esse o futuro.

 

 

De professor de ginástica a ministro da Energia

Claude Turmes nasceu a 26 de novembro de 1960, em Diekirch. Depois de completar o ensino secundário, Claude Turmes formou-se em educação física e desporto na Universidade de Louvain-la-Neuve, em 1983. Nesse mesmo ano iniciou a carreira de professor no liceu, que manteve até 1999. Em paralelo, Claude Turmes estudou tecnologia ambiental na Fondation universitaire luxembourgeoise em Arlon, ao mesmo que começou a dedicar-se a outra das suas paixões: a yoga. 

É nessa altura que começa a dar os primeiros passos no movimento ecologista, primeiro como ativista e depois com líder de associações ambientais tanto a nível europeu (Friends of the Earth Europe, European Environmental Bureau) como a nível luxemburguês, tendo sido membro do comité e vice-presidente responsável pela energia/clima e assuntos europeus do Mouvement Écologique Luxembourg desde o final dos anos 80 até 1999. É também cofundador da Klimabündnis Lëtzebuerg.

Uma experiência que lhe abriu as portas do Parlamento Europeu em 1999, onde desempenhou as funções de deputado até 2018. É Vice-Presidente do Grupo Verde no Parlamento Europeu, membro da Comissão do Meio Ambiente, Saúde e Defesa do Consumidor e membro da Comissão da Indústria, Energia, Telecomunicações e Investigação.

Em junho de 2018, Claude Turmes é nomeado Secretário de Estado para o Desenvolvimento Sustentável e Infraestruturas no governo de coligação entre o Partido Democrático (DP), o Partido Socialista (LSAP) e os Verdes (déi gréng), substituindo Camille Gira.

Após as eleições legislativas de outubro de 2018, Claude Turmes é nomeado Ministro da Energia e Ministro do Ordenamento do Território no governo de coligação entre o DP, o LSAP e o déi gréng.

É também relator de numerosas diretivas europeias, nomeadamente sobre energias renováveis, eficiência energética, mercado da eletricidade e planos climáticos, bem como sobre o registo europeu de lobbies. Presidiu à associação interparlamentar para a promoção das energias renováveis na Europa EUFORES (Fórum Europeu das Fontes de Energia Renováveis

Líderes

As portuguesas que querem ter voz

Só 15% dos portugueses residentes no Luxemburgo estão inscritos para votar. E na capital do país a percentagem é ainda mais baixa. Para contrariar esta ausência de representatividade e de poder de decisão, um grupo de seis portuguesas lançou um event

Liz Braz

É a mais jovem candidata do LSAP e é a primeira vez que se candidata a umas eleições, mas não é propriamente uma desconhecida. O facto de ser filha do antigo ministro da justiça e vice-primeiro-ministro do Luxemburgo, Felix Braz, dão-lhe uma visibili

Fabrício Costa

Entrevista com Fabrício Costa, candidato às eleições comunais pelo partido déi gréng.

A história do empresário que não recusava emprego a ninguém

De sorriso afável permanente, mesmo num primeiro contacto, era como se conhecesse a pessoa desde sempre, e assim gerava a empatia própria e necessária para quem ambicionava singrar na vida e queria ser lembrado “como uma referência”. Rui Nabeiro, fun

Asti apela aos estrangeiros a recensearem-se em massa

Depois de uma “luta de 31 anos para conseguir este direito fazemos um grande apelo para que todos os estrangeiros se inscrevam e votem”, sublinhou Sérgio Ferreira, diretor político da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes (ASTI), na aprese

Última edição
Opinião
José Campinho2023. O ano dos portugueses?

Foram necessários mais de 30 anos para os estrangeiros finalmente conquistarem o direito de escolherem os responsáveis das autarquias onde residem. Um esforço, até agora, inglório. Mas há algo a mudar….