Quem já achava que, em circunstâncias normais, faltava vida ao bairro de Kirchberg agora assusta-se quando lá passa. As empresas financeiras e as instituições europeias, responsáveis pela esmagadora maioria dos empregos neste bairro, optaram em grande escala pelo teletrabalho e por medidas de segurança bastante restritivas para impedir aglomerações de pessoas. “No Tribunal de Justiça da União Europeia, somos cerca de 2.000 pessoas, mas atualmente a maioria trabalha a partir de casa, mais de 80%. Eu só posso ir ao escritório com autorização do meu responsável, geralmente só para reuniões que não podem ser virtuais”, explica Sara Afonso, do departamento do protocolo e visitas. Aqui as medidas de segurança são levadas muito a sério. “Não podemos ir sem máscara e medem-nos a temperatura à entrada”, acrescenta.
Bairros de negócios desertos
Vasco Costa, Senior Investment Manager no Banco Europeu de Investimento, onde trabalham cerca de 3.000 pessoas, está na mesma situação. “Só vou ao escritório uma vez por semana, o resto do tempo trabalho a partir de casa”, conta. Uma situação que, segundo ele, deverá manter-se pelo menos até ao final do verão: “as instruções que temos é para continuarmos em teletrabalho até setembro”.
Outro dos principais empregadores neste bairro é o banco BGL BNP Paribas, com cerca de 3.000 empregados. António Leitão, senior relationship manager, faz parte dos funcionários do BGL que passaram a trabalhar a partir de casa. “Logo desde o início o Banco optou por colocar cerca de 2/3 do pessoal a trabalhar a partir de casa. Só as funções que necessitam mesmo de aceder ao escritório é que continuaram a ir e mesmo esses foram divididos entre Kirchberg e o escritório em Bettembourg, que serve de backup em situações de emergência, de forma a garantir o distanciamento de segurança”, recorda.
Entretanto, com o desconfinamento muitos já regressaram, mas com novas regras. “Várias equipas já regressaram ao escritório, mas fizemos como nas escolas, com semanas alternadas”, explica. Até quando ficarão em vigor estas medidas não se sabe. “Ainda não temos indicações a esse respeito, mas penso que quando tudo isto passar, a maioria vai regressar. Na minha opinião para a empresa é melhor ter as pessoas a trabalharem no escritório”, admite.
Comércios vazios
Um dos efeitos colaterais desta reorganização do trabalho é a desertificação de bairros onde costumava haver bastante atividade comercial. “Só em Kirchberg havia 70 mil pessoas todos os dias que vinham trabalhar”, sublinha Tony Travessa, proprietário da cadeia de cabeleireiros T-Hair, presente em vários centros comerciais no Luxemburgo, entre os quais o Auchan em Kirchberg e na Cloche d’Or. “Salões que antes faziam 100 cortes por dia, agora fazem 20”, explica. “As pessoas deixaram de ir trabalhar para o escritório e os centros comerciais ficaram vazios”, lamenta.
Mas não são só os comerciantes dos centros comerciais a sofrer. O comércio de proximidade é a principal vítima do teletrabalho. “As ruas estão vazias, não há gente”, constata João ??, proprietário do restaurante Pic Pic, em Howald, junto à Cloche d’Or. “Durante a semana costumávamos servir 70 almoços, agora fazemos 20”.
Efeitos positivos
Mas os efeitos colaterais do teletrabalho não são todos negativos, pelo contrário, os aspetos positivos têm-se sentido de várias formas. A começar pelo trânsito, com estradas menos congestionadas, sobretudo na capital do país onde as horas de ponta costumavam ser um quebra-cabeças para milhares de automobilistas. Em vez de perderem horas nas filas de trânsito, muitos desses trabalhadores, que agora trabalham a partir de casa, passaram a ter mais tempo para outras atividades.
Outra das consequências imediatas da diminuição do trânsito é a redução das emissões de CO2. Menos deslocações significa menos poluição e os efeitos fizeram-se sentir de imediato com as emissões a caírem abruptamente durante os meses de confinamento. O mais curioso é que já há vários anos, economistas e cientistas defendiam esta estratégia como parte integrante da chamada economia circular.
Os desafios
Serge Remy, directeur financier de Capitalatwork, em ??? é um dos defensores desta medida tendo lançado uma petição “direito ao teletrabalho” que recolheu 5.700 assinaturas, o suficiente para ser debatida no Parlamento. Para o autor da petição esta seria uma forma de responder a três grandes desafios que a Comissão Europeia identificou recentemente para o desenvolvimento do Luxemburgo: a criação de emprego, a mobilidade e as emissões de CO2.
Uma medida que não significa necessariamente passar a semana em casa. “Pode ser apenas um ou dois dias por semana”, sublinha. De acordo com uma sondagem no Life chat no Luxemburgo, a maioria dos inquiridos (39%) disse preferir trabalhar dois dias a partir de casa. A segunda opção que reuniu mais votos (34%) foi a de trabalhar apenas um dia em casa. 27% gostaria de trabalhar dois ou mais dias por semana em casa. Uma repartição equilibrada, mas que demonstra que a maioria das pessoas não tenciona abandonar por completo o escritório.
Transfronteiriços
O maior entrave que se coloca está relacionado com o aspeto fiscal dos trabalhadores transfronteiriços que constituem cerca de metade dos postos de trabalho no Luxemburgo. Aqui as coisas complicam-se. De acordo com as leis atualmente em vigor, o máximo de dias por ano que um transfronteiriço francês pode trabalhar a partir de casa sem ter de pagar impostos no seu país de residência são 29 dias. No caso dos alemães são apenas 19 e dos belgas são 24.
Outros dois aspetos importantes a rever são os descontos para a caixa de saúde e para a caixa de pensões. Também aqui as leis limitam o número de dias que os transfronteiriços podem trabalhar a partir de casa. Regra geral, todo o trabalhador que exercer mais de 25% de trabalho no país de residência deve também descontar para a saúde e para a reforma.
Atualmente decorrem negociações com os governos dos quatro países para tentar encontrar uma solução mais flexível, de forma a evitar estas dupla-tributações que inviabilizariam a vinda de trabalhadores transfronteiriços para o Luxemburgo, mas o acordo não será fácil.
Imobiliário
Qual será o impacto nos preços no imobiliário dos escritórios se uma percentagem significativa dos trabalhadores passar a trabalhar de casa? «Pouca», prevê Sarah Mellouet, da Fondation Idea. Uma das razões tem a ver com o facto de as pessoas não abandonarem por complete os escritórios, apenas passarem a ir lá menos vezes. Por outro lado, a possibilidade de a procura diminuir ligeiramente não significa uma inversão da balança da oferta e da procura. “O mercado mantém-se muito dinâmico, com uma taxa de desocupação muito pequena”, sublinha. “O teletrabalho poderia ajudar a reequilibrar um pouco a balança”, admite, “mas não acredito no desmoronamento do mercado imobiliário de escritórios”, sublinha.